Oxumaré e a Cavaleira Verde


Carol Canabarro

Oxumaré estava à beira de uma nuvem, de onde podia ver toda Terra. Os olhos miravam o horizonte e seus pensamentos iam de um ponto ao outro, sem que um fio de suas tranças se movesse. Nesse lugar, acima do Tempo, a Cavaleira Verde interrompe seus devaneios.

— Arroboboi, Oxumaré.

— Pergunte — respondeu a divindade, enquanto uma serpente brincava entre os nós de seus dedos.

— Como você sabe que quero perguntar algo? — Mal terminou de soprar as palavras e fingiu arrumar a túnica cor de oliva desbotada. Se tivesse bolsos, pensou, talvez pudesse esconder sua tolice.

Uma pequena fenda se abriu por entre as nuvens, permitindo que uma flecha de sol tocasse a pele de Oxumaré. Era como se mil grãos de areia coloridos dançassem em cada célula. A beleza da divindade, contrastando com os farrapos da jovem, manteve as palavras presas dentro da sua boca.

— O que você quer saber, minha filha?

— Por que nunca sou escolhida para uma de suas missões? Por que sou preterida, como se nunca estivesse madura para agir?

A risada de Oxumaré soou como pequenos trovões. A Cavaleira Verde conteve, na foz, suas lágrimas.

Com uma das mãos pousada no ombro caído da garota e a outra apontando para o porvir com a cobra ainda enredada, devolveu:

— Filha, seria certo que, numa situação em que duas pessoas estejam em conflito, eu envie a ti, que tudo alimenta e não a Cavaleira Vermelha com sua espada de fogo para cortar em definitivo a disputa? Ou ainda, da chegada de um rebento, deixe de enviar o Cavaleiro Laranja e sua alegria para celebrar a nova vida?

A Cavaleira Verde balançava a cabeça em concordância, mas os lábios apertados indicavam que ela ainda não estava completamente convencida. Ela também celebrava começos. Oxumaré continuou: “Quem melhor do que o Cavaleiro Azul, com seu escudo de diamante para defender uma pessoa na guerra mais devastadora, a luta contra si mesmo? Há de ser ele, dotado de confiança e serenidade, não?”

— Sem dúvida, é ele quem deve ir. Mas será que não há nenhuma missão que eu seja capaz de executar? Outro dia vi quando a Cavaleira Anil foi enviada para curar um animal ferido, ela resolveu, claro, com sua magia e encantamentos, mas não sou eu a representante da natureza? Não conheço e dou vida a todos os seres? — disse sem respirar entre uma frase e outra.

Oxumaré colocou a serpente aos pés da interlocutora que, rapidamente, se enroscou nas suas pernas e subiu até o pescoço, onde ficou pendurada feito colar de esmeraldas.

— A natureza nasce de você, minha filha. Isso não significa que te pertença, ou que apenas você sabe do que precisa. Uma mãe, quando sua criança adoece, leva-a ao hospital. Seria sensato que eu, vendo um dos meus em sofrimento o entregue a quem lhe deu a vida ou a quem tem poderes para curá-lo?

A lógica das palavras era irrefutável, porém eram os sentimentos da Cavaleira Verde que não compreendiam. Tentou argumentar que ela poderia ser enviada nas missões diplomáticas, para lidar com outras divindades, revezar com a Cavaleira Violeta. A cobra sibilou. Oxumaré nem precisou contra argumentar. A própria guerreira sabia que, armada apenas de esperança, falharia mais vezes do que Violeta e se calou.

Exausta, sentou-se ao lado de Oxumaré. No horizonte, viram o Cavaleiro Amarelo recolher o Sol. Sorriram. Sabiam que a Cavaleira Verde jamais desejaria aquela árdua tarefa. Quando conseguiram disfarçar a graça, Oxumaré passou o braço pela Cavaleira e a puxou suavemente para perto.

— Filha, você precisa fazer a pergunta certa. Só assim encontrará a paz que procura.

— Não sei o que pensar. Devo ser uma inútil mesmo.

— Você se sente inútil?

— Enquanto minhas irmãs e irmãos saem por aí mudando ou melhorando o mundo, eu sempre fico aqui, sendo protegida por você.

— Eu te protejo? É isso que você acredita que acontece quando seus irmãos desbravam a Terra e você permanece ao meu lado?

O rosto da Cavaleira se contraiu, quase deixando legível um ponto de interrogação no meio da testa. A serpente deslizou de volta a Oxumaré, que recomeçou a balançá-la entre os dedos, só que dessa vez manteve os olhos fixos na jovem.

— Quando os filhos do arco-íris são acionados, meus ossos ficam em chamas. O sucesso deles mantém o equilíbrio do Universo, por mais simples que seja a tarefa. É muita responsabilidade.

— Eu vejo e faço meu melhor para apaziguar suas aflições e mostrar que devemos nos manter confiantes. Minhas irmãs e irmãos são seres fantásticos, afinal, são seus filhos. Nada pode os deter. Confio neles, mas queria fazer mais.

Oxumaré acarinhou os cabelos de folha da Cavaleira, que desenrugou o rosto.

— Vez ou outra, é bem possível que, se você fosse no lugar de um deles, teria igual ou maior sucesso. Mas nenhum deles poderia fazer o que você faz por mim. Você, que é o sonho do homem acordado, será a única a sobreviver depois que todos nós tivermos partido. É a sua força esperançosa que nos sustenta.

A Cavaleira Verde, enfim, compreendera.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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