Muito antes de ir para cama


Carol Canabarro

Quem nos conhece fora das nossas quatro paredes talvez não saiba que, o tempo compartilhado, nos aproxima mais do que afasta. Uma efusão de sentidos que se aprendem e se completam. Dia seguido de dia, o amor inicia muito antes de ir para cama.

Começa quando desperto com um toque sutil de suas mãos em meus cabelos, me chamando para vida. Segue pelo encontro dos nossos lábios, pela curiosidade de como passamos a noite e pelo desejo de que, o dia a seguir, seja próspero.

Continua na divisão de tarefas: eu arrumo a cozinha e preparo o café, ele limpa a areia dos gatos e varre a casa. Nos reencontramos na refeição, meus ovos são mexidos, os dele com gemas moles. Entrego seu Atenolol, ainda que esteja ao seu alcance. Dividimos a caneca de café. Ele espera que eu tome o primeiro gole e, só depois, bebe. Evitamos os celulares. Debaixo da mesa, nossas pernas se enroscam.

Enquanto terminamos de organizar a casa, ouvimos as notícias e repartimos angustias. É nosso momento de ficar a par do mundo e reafirmar nossas posições políticas. Não há assunto proibido e cada palavra é refletida. Aprendemos juntos a existir.

Na hora do almoço, de bicicleta, vamos para o restaurante. Seu capacete é melhor do que o meu, ele cede sua proteção para mim. Pedalo à frente desbravando o caminho, enquanto ele se mantém atrás, feito escudo. É ele quem abre as portas do Santa Gula, sou eu quem as fecha. No buffet, coloco gergelim por cima da sua salada e pego dois pares de talheres. Ele pede as bebidas. Nem sempre comemos sobremesa, mas sempre perguntamos se o outro quer doce.

De volta a casa, nossos computadores lado a lado, facilitam as carícias e os beijos fora de hora. Nos felicitamos por cada pequena conquista: seja um ganho no pôquer, seja uma metáfora recém criada. Tudo é motivo.

Segue na fruta cortada para o lanche da tarde, no copo d’água compartilhado, no perguntar se o outro deseja algo. E permanece na resposta “desejo você”. Está na alternância inconsciente de quem é a vez de alimentar os bichanos e de preparar o chimarrão.

Continua na troca de elogios, de memes, de fofocas, de piadas nem sempre tão engraçadas. A todo o momento encontramos um jeito de fazer o outro sorrir.

Quando o céu começa a se vestir de noite, paramos nossas atividades e, por cinco minutos, nos despedimos do sol. Nossos olhos estão na mesma direção.

O jantar é preparado a quatro mãos, o vinho é servido por ele. Pratos e Netflix no ponto, decidimos se veremos algo para rir, ou para pensar. Todas as vezes, juntos. Ao final da refeição, não lavamos a louça, essa tarefa fica para amanhã. Terminamos de assistir ao programa dividindo carícias entre nossas peles e o pelo macio dos gatos.

No banho, é ele quem pega as toalhas, sou eu quem define a temperatura do chuveiro. Quente demais para seu corpo, ele aguarda e, só depois de eu sair, resfria a água. O espero na cama.

Deitados, enumeramos os fatos bons do dia. É hora de encher nosso potinho da gratidão. Não raro o papel é pequeno para o tanto de vida que coube no dia.

Nossos corpos se misturam.

Antes de dormir, um último beijo de boa noite. Viro para meu lado preferido, ele se aconchega. E, sem perceber, começamos o amor do dia seguinte.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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