Alter ego


Carol Canabarro

Escrever uma crônica sobre alguém que impactou minha vida parece simples e objetivo. Parece. Para identificar essa pessoa, precisei revisar meus passos, observar aonde meus pés pisaram em pegadas já existentes e aonde, propositalmente, desviaram. Foi uma longa caminhada.

Quando criança, assistia na TV minha princesa favorita. Queria ser como ela. Uma jovem loira, olhos claros, personalidade forte e justiceira. Uma vez até me fantasiei dela. Depois cresci e abandonei Adora em Etheria, bem no fundo de uma gaveta no meu subconsciente.

Ao me apaixonar pelo handebol, sofri influência do meu irmão (que sempre jogou melhor do que eu), de algumas jogadoras européias e do Ayrton Senna. Compartilhando seu dia a dia, meu irmão logo perdeu lugar na fila, das européias fiquei só com o corte de cabelo. Ter um joelho esquerdo frágil dificultou seguir seus passos. Já Senna, um fenômeno na vida pessoal e profissional, dispunha de ferramentas que o permitiam acelerar em curvas que meus pés não puderam acompanhar.

Por gostar de mitologia, admirava Atenas. Deusa da sabedoria e da guerra. Li muito sobre ela, o que acabou separando nossos caminhos. Suas intemperanças não condiziam com o título e acabei deixando ela para lá. Como pode seres tão poderosos ser tão chiliquentos? Fica difícil louvar. Qualquer que seja o deus ou deusa.

Por um período, me voltei para família. Avó, pai, mãe, dinda, tia, tio, sogra. Fantásticos. Em comum, todos davam o melhor de si diante das adversidades. Mas eles também bateram muita cabeça. Às vezes, a minha. Continuavam no hall dos admiráveis, mas não chegaram a ser ídolos. Humanos demais.

De tempos em tempos, me apaixono. Já tive fase Da Vinci, genial em tudo que fazia; Érico Veríssimo, com sua escrita historicamente referenciada; Fernanda Montenegro, capaz de interpretar as mais diversas emoções com maestria; Dercy Gonçalves, de boca livre e peito (metafórico e literal) desnudo; Gabriela Prioli, sendo (bem) mais do que um rostinho bonito; Viola Davis, com o poder de transcender toda uma indústria. Porém, em algum ponto o caminho deles se separa do meu. Pode ser pelo tempo em que viveram, pelas condições que tiveram ou pelas aspirações que sobraram ou faltaram. Como se me dessem a mão por parte do trajeto, mas nunca trilhassem o percurso inteiro comigo.

Na música, as referências são muitas, de Aretha Franklin a Zeca Pagodinho. Meu gosto é eclético, feito criança escolhendo cobertura em buffet de sorvete. Se o cantor ou cantora tem algo a dizer, ouço e aplaudo. Mas não durmo na fila para comprar ingresso. Na trilha sonora da minha vida cabe todo tipo de artista, desde que ele use sua voz para dar voz. Falar por falar, até ventríloquo fala.

Revisando minha vida, encontrei pegadas da Dona Claudete, funcionária do prédio, que sempre sorri e faz questão de chamar todos os condôminos pelo nome. Achei também a profe Jurema, com seu puxão de orelhas que me faz refletir até hoje sobre ser solidária com meus pares e esperar os diferentes tempos de aprendizado. Gente que passa por mim e deixa sua marca. Umas tatuagens maiores, outras menores, todas permanentes.

É como se eu olhasse a todos e todas feito estrelas-guia, que me orientam até certo ponto e, depois, sou eu quem precisa desbravar a mata com minha própria espada. Sem contar as falsas estrelas: aqueles que mostram o caminho que não deve ser seguido. Desses, evito dar nomes, porque a crônica é para enaltecer e me nego a registrar seus nomes na história. Pelo menos não na minha.

Sou uma mistura, uma rede de cada um que cruzou minha vida e que ainda irá cruzar. Sim, a crônica sobre alguém especial é possível, mas exigiria livros e livros para me satisfazer. Escolher um é negar todos os outros. E morro de medo de ser injusta.

Deve ser meu lado She-ra gritando para sair da gaveta.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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