Entre amanhã e nunca mais


Carol Canabarro

Ela aperta o número dez antes de terminar o passo e repousar o pé direito no piso do elevador. Suspira alto, relaxando os ombros, não via a hora de chegar em casa. Está tão absorta na pressa dos gatos famintos, do jantar por fazer e da aposentadoria distante sete anos e oito meses, que não percebe o desnível entre o chão da garagem e o fundo da caixa metálica. A porta vai se fechar quando um estouro ecoa: são as crianças jogando futebol contra o portão da garagem, ela reconhece.

Será que tranquei o carro? O balanço em negativa da cabeça é tão ralo quanto sua memória. Tanto faz, aqui dentro está seguro, acode o esquecimento. A escalada até o segundo andar é sonolenta. Pisca mais vezes do que ao acordar, tentando afastar a imagem dos processos despachados e da pilha ainda maior à sua espera no dia seguinte. Morar tão no alto tem disso, demora-se a chegar, mas a visão vale o preço.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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