Férias não-instagramáveis


Carol Canabarro

Boa parte das minhas férias não foram instagramáveis. Não por ter feito coisas que não devem ser feitas, até fiz algumas, mas porque a maior parte do que vivi não cabe em foto e não aparece nas entrelinhas da legenda.

Como descrever meu espanto-bobo ao voar acima das nuvens e descobrir que o elefante de algodão que vejo não deve ser o mesmo para quem olha da terra?

É difícil replicar a quantidade de “não, obrigado” que eu disse por minuto quadrado na beira da praia. Um mar de ambulantes vendendo de um tudo para ter de um pouco. Ou a vez em que, eu mal servi a cerveja, uma senhora veio recolher a latinha. Uma senhora. Ali, trabalhando entre o sol efervescente e a areia escaldante. Poderia ser a minha mãe.

A mãe do Gui, a minha mãe.

Impossível registrar o passo cadenciado de solidão do Sogro na beira da praia e o som que não ouvi do copo da minha mãe brindando com o meu. Ou a gargalhada que elas dariam quando eu perguntasse: até quando vai esse calorão do climatério? Nenhuma máquina captura ausência.

Nenhum post explica a agonia de estar num evento lotado e não ver um único negro. O absurdo de ver um apartheid que nunca aconteceu no Brasil, ser realidade no século 21.

Mas eu consegui fotografar o mar caribenho de Maceió, claro, em nenhuma imagem aparece os resíduos tóxicos da Brasken. Poluição que me fez, durante uma madrugada inteira, botar pra fora o almoço e o jantar.

Difícil enquadrar o bafo insuportável no Sul e o medo de que essa série de ondas de calor provoque uma nova enchente no estado. Faltaria memória no celular para todas vezes que fiz carinho nos cachorros de rua que, na hora, me pareceram iguais aos 3 mil salvos no Abrigo da Mathias.

Minhas férias não foram instagramáveis, os algoritmos não sabem calcular esse tipo de coisa.

O sorriso falso-presunçoso do meu pai ao me vencer no pife, só tem graça pra mim. A flor perfeita que recolhi do chão, só encanta os meus olhos. As noites mal dormidas por estar esparramada na cama, sem o aperto dos meus gatos, só faz sentido pra mim.

Sem falar que me falta competência para dizer, de um jeito polido, que o desfile das escolas de samba no Rio me adoece. Fantasias luxuosas que arrancam vidas pra gente ver a pena delas passar.

E que Stories contemplaria minha sensação de atriz em filme distópico, na noite que fui pular carnaval e, bem no meio da bagunça, acontecia um culto com segurança na porta impedindo a alegria de entrar?

Possivelmente seria banida se eu publicasse as festas privadas que o Gui e eu tivemos. Vou deixar baixo.

De resto, eu teria que ter passado as férias com o celular na mão, melhor, teria que ter uma câmera acoplada nos meus olhos e um tradutor simultâneo dos meus pensamentos pra registrar tudo. Mas aí, pergunto: será que eu teria visto todas essas coisas? Acho que não. Provavelmente não. Com certeza não.

Para minimizar minha angustia, andei em tudo quanto foi artesanato atrás de lembrancinhas para familiares, afilhados e amigas. Ainda que eu ache esse termo “lembrancinha” inapropriado. Pra mim, o certo são esperancinhas. Esperança de que eles sintam um pouco do que eu senti.

Porque só faz sentido sentir essas coisas quando a gente sente com quem ama.
E para quem me perguntar se as férias foram boas, a resposta vai ser verdadeira e sempre a mesma: foram ótimas, ainda que isso não seja a história completa.

É que vida, vida mesmo, não é instagramável.

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Carol Canabarro

E-mail: carolinecanabarro@gmail.com

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