Carol Canabarro
Então ela se foi. Deixou pra trás armários abarrotados, copos vazios e uma risada congelada no porta-retratos. A surpresa não fez careta na hora da partida, só no motivo do último passo. A verdade, de tão crua, contorce a garganta e faz cócegas na ponta da língua. Quem imaginaria que por sobre cabelos brancos e pele enrugada corria solto o vírus da juventude? Só no final da maratona é que nos demos conta, mas aí, era tarde demais para descalçar suas sapatilhas. Numa corrida sem volta, o danado atravessou a linha de chegada. Eu, com pernas míopes, fiquei pra trás. Sua vitória foi minha derrota. Parte de quem sou agora não existe mais. Água salgada faz poça na parte de cima do meu rosto, enquanto o sul se abre em cortina branca. Ela se foi levando consigo minha parte filha, deixando no buraco do peito uma velha festeira. Quantas emoções um ser humano pode sentir ao mesmo tempo, me pergunto toda vez que a foto me sorri. Chorrindo imagino ter herdado o suficiente para continuar a correr. E então, percebo, a maior saudade é da minha parte que ela levou, porque minha mãe, essa, nunca se foi.